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BOLETIM INFORMATIVO DA COMUNIDADE .

Especial-Festas e lavagens/Caldeirão baiano

Devoção e tolerância são os ingredientes do sincretismo que marca a cultura religiosa do estado


Jairo Costa Júnior
Dona Maria tem em casa uma imagem de São Jorge, de quem é devota fervorosa, mas reverencia também Oxóssi com igual intensidade. Entre uma missa e outra na Igreja Católica, participa das comemorações e cultos no terreiro de candomblé do bairro onde mora. Ouve a pregação do padre, contudo não dispensa os conselhos da mãe-de-santo do coração. Tal relato é ficção, mas ocorre na Bahia com a mesma facilidade com que se ouve um pagode “quebradeira” na esquina mais próxima. Esta capacidade de fusão entre doutrinas tão distantes entre si é o que se tornou conhecido como sincretismo religioso.
O fenômeno, ainda bastante confundido com outras inter-relações culturais, vem colocando frente a frente, pelo menos nos últimos 30 anos, duas correntes de pensamento: aqueles que preferem manter a tradição sem rupturas e os que acreditam que a mistura religiosa foi necessária no passado, mas atualmente serve apenas para profanar o candomblé e alimentar o consumo. Para entender a raiz desse hibridismo da fé é preciso dar uma vasculhada na casa grande e na senzala.
Os livros de história já tocam no assunto, mas não custa relembrar. Escravos trazidos da África, que cultuavam suas divindades, os orixás, não possuíam liberdade religiosa entre grades e grilhões. Caso insistissem nas “feitiçarias de negrinhos”, a madeira piava. Usando de artifícios, os negros passaram a colocar os santos em altares, mas por baixo deles continuavam fazendo suas oferendas para os protetores espirituais.
Assim, na impossibilidade de adorar Ogum abertamente, Santo Antonio mantinha a fachada. Se o louvor era direcionado a Iemanjá, Nossa Senhora acabava fazendo as vezes de dona da casa. Oxumaré virava São Bartolomeu; Oxalá, Jesus Cristo; e Iansã, Santa Bárbara. Isto, claro, a depender do estado onde os cultos eram realizados. Um dos exemplos máximos dessa adaptação religiosa pode ser visto a cada 27 de setembro, quando muitos devotos, sejam do candomblé ou do catolicismo, cortam mundos e fundos de quiabos para o tradicional caruru em homenagem aos ibejis, mimetizados nos santos gêmeos Cosme e Damião.
Pureza - Coisa semelhante ocorre nas festas populares, que pipocam em banhos por toda a Salvador, sobretudo no Verão. Devotos de ambas as religiões costumam se reunir em folguedos como as lavagens do Senhor do Bonfim e no 2 de fevereiro, quando Iemanjá é homenageada nas ruas do Rio Vermelho. Porém, a coexistência pacífica entre os que carregam em si elementos do candomblé ou do catolicismo, ou dos dois juntos, foi balançada quando uma das mais influentes ialorixás do país, mãe Stella, assumiu o comando do Ilê Axé Opô Afonjá, em São Gonçalo do Retiro. De pronto, bradou forte contra o sincretismo religioso.
Em 1983, ano da II Conferência Mundial das Tradições dos Orixás, ocorrida em Salvador, a mãe-de-santo mostrou por que é considerada a mais politizada de todas as ialorixás do Brasil. Junto com representantes de outros terreiros, divulgou um manifesto onde pedia a separação total das práticas das duas religiões. Até hoje, ficou famosa uma de suas frases dita na ocasião: “Iansã não é Santa Bárbara”.
Para o vice-presidente da sociedade mantenedora do Opô Afonjá, o maranhense José de Ribamar Feitosa, radicado na Bahia desde 1962, desde que mãe Stella levantou a bandeira do anti-sincretismo, muita coisa mudou na casa. “As missas que antecediam algumas celebrações foram abolidas e as imagens dos santos católicos foram levadas para o museu do terreiro. Afinal, não somos parte de uma seita e, sim, de uma religião”, aponta.
Do lado “europeizado” da questão, quem também levantou a voz, ou melhor, a caneta contra o sincretismo foi um dos mais célebres arcebispos primazes do Brasil, o polêmico cardeal D. Lucas Moreira Neves. Entre um dos seus atos mais conhecidos, o líder religioso mexeu num vespeiro: mandou fechar, em 1998, o adro da Igreja do Bonfim às baianas e suas jarras de água-de-cheiro. Desde então, lavagem mesmo só nas escadarias.“Muitos dizem que D. Lucas perseguia os adeptos do candomblé. Isso não corresponde à verdade. O cardeal sempre foi contra o sincretismo, assim como mãe Stella”, assinala padre Manoel Filho, coordenador da Pastoral e Comunicação da Arquidiocese de Salvador. O sacerdote destaca que a posição do Vaticano hoje é a mesma de anos atrás: a manutenção da fidelidade doutrinária, a não-mistura entre os ritos, que na verdade só possuem em comum o aspecto histórico.
Cultura - “O sincretismo é um processo que foi construído. Portanto, pode ser desconstruído. Claro que sem intolerância, apenas separando os elementos que cada religião possui. Os adeptos do candomblé continuarão a ser bem recebidos nas igrejas, assim como os católicos sempre serão bem vindos nos terreiros. A questão é somente de pureza doutrinária”, avalia o padre.
Teólogo, como todo sacerdote de sua categoria, padre Manoel afirma que as pessoas sequer se dão conta do sincretismo em suas vidas, sobretudo na Bahia, onde os traços africanos são mais fortes. “Ele está entranhado, pois é um processo cultural, que se manifesta também na religião. Dona Maria, quando vai à missa e dá o caruru dos sete meninos, sequer se dá conta de que integra esse movimento de mistura entre doutrinas”, aponta. “O que não deve ser confundido com interculturação, a interpenetração entre culturas. O exemplo máximo disso pode ser visto na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos (Pelourinho), onde as missas possuem elementos africanos na língua, na sonoridade, mas mantêm a mesma dinâmica e os mesmos elementos das celebrações de outras igrejas. Não há os ritos do candomblé ali”, esquadrinha padre Manoel.
Novos ventos - Assim como mãe Stella, padre Manoel acredita que a separação está mais próxima de acontecer do que há 20, 30 anos. E esta mudança é capitaneada pela juventude católica e do candomblé. “Em movimentos novos como a renovação carismática, ou grupos de oração, não há nenhum fiel ‘sincrético’”, garante. O mesmo fenômeno também acontece onde tocam os atabaques.
“O terreiro que freqüento aboliu a mistura. Só mantemos algumas tradições por causa dos mais velhos. É que o candomblé respeita muito os antigos, a idade e a hierarquia. Para estes, seria uma ruptura muito profunda e difícil de aceitar”, justifica a design gráfica Isabel Ribeiro, ekede do Ilê Axé Iaominidê, na Federação. Durante a festa em reverência a Omolu, em agosto, é fácil ver adeptos da religião afro-brasileira participarem da missa em homenagem a São Lázaro, cuja imagem ainda entra no Iaominidê.
Apesar da contracorrente, várias ialorixás e babalorixás ainda mantêm alguns ritos católicos em seus terreiros. É o caso da Casa Branca, na Avenida Vasco da Gama, e do Gantois, na Federação, cujo grande símbolo, mãe Menininha, sempre foi favorável à mistura. Entre o purismo e a tradição, só a convivência pacífica liberta de verdade. É o que defende o antropólogo e artista visual Renato da Silveira, um apaixonado pela cultura e religião afro-brasileiras: “A posição correta é o respeito à diversidade e acabou-se. O resto se resolve na prática”. Tambor ou órgão, hóstia ou oferenda, pano-da-costa ou batina, ou tudo ao mesmo tempo agora, isso não importa tanto quando o assunto é a fé que cada qual traz em si.

Fonte: Correio da Bahia

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