Um dos primeiros passos é a lei 10.639/03, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB)
Por Elizete Feliponi
Nos apegamos ao conceito de raça para justificar práticas e rótulos de exclusão e, ainda, para inventar e legitimar uma superioridade entre culturas. A palavra raça automaticamente nos remete a outras: preconceito e intolerância, as quais estão presentes nas mais diversas situações, e não apenas quando o assunto abordado é a cor da pele.
O termo raça foi amplamente difundido pelos colonizadores, como uma tentativa de explicar o tráfico e a escravidão de pessoas. Era a forma de animalizar aqueles que estavam sendo tratados como animais. A contribuição da igreja também foi marcante, pois, na época, era considerado civilizado apenas quem era cristão. Motivos mais que suficientes para menosprezar a formação e a cultura de um povo.
Biologicamente, somos todos parecidos e, segundo a teoria da evolução, somos todos africanos, descendentes da linhagem que há 7 milhões de anos separou-se dos macacos e iniciou a evolução física e intelectual e povoou o mundo.
Nesse processo de refinamento genético, o neo-cortex (região da testa) foi a última parte a ser formada e possibilitou ao homem condição mais humanizada, pois é a área responsável pelo comportamento e pelas emoções.
O fator igualdade de origem é totalmente ignorado e a quantidade de melanina que uma pessoa tem na pele passa a ser fator de classificação para ter ou não valorização social. Por séculos, a cultura africana foi estigmatizada, disseminando a ideia de pessoas famintas e doentes, das paisagens de safáris e de roupas coloridas.
Essa é a imagem que nos ensinaram; essa é a imagem que vemos; é nisso que pensamos quando lembramos da copa de 2010. De berço da humanidade, passando pela história dos reinos dos diversos povos africanos, os quais já faziam uso de técnicas elaboradas de agricultura e possuíam conhecimento de astronomia e medicina, à condição de povo escravizado e o direito a cotas nas universidades, o continente africano tem a sua própria história, mesmo que desconstruída. São aspectos que trazem à discussão uma África ainda desconhecida pela maioria, mas que aos poucos está sendo redescoberta.
Até então, todas as tentativas possíveis de branqueamento da cultura, da história e da sociedade foram feitas. Nos livros didáticos, a única referência aos negros era uma nota sobre o dia da abolição da escravatura, o qual apresentava a Princesa Isabel como uma heroína, amiga dos escravos.
Nada mais era apresentado, apenas imagens e textos tristes de correntes, chicotes e trabalho forçado. Essa realidade, lentamente e com muitas reivindicações por parte de grupos organizados, formados na sua maioria por negros, começa a mudar.
Um dos primeiros passos é a lei 10.639/03, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e torna obrigatória a inclusão nos currículos escolares oficiais os estudos de “História e Cultura Afro-brasileira e Africana”. Percebeu-se, no processo, que a questão indígena também precisava ser resgata. Logo, a lei 11.645/08 estabelece como obrigatório o tema “História e Cultura Afro-brasileira e Indígena” nas escolas.
Inicia-se, com esse processo, uma trajetória de desconstrução de uma imagem perpetuada por séculos, a qual foi base à formação de preconceitos arraigados, os quais direcionam as condutas.
Por muitas vezes, o conceito raça ajudou a disseminar pelo mundo a discórdia, como na 2ª Guerra Mundial e o sonho da raça superior de Hitler. No entanto, a história sempre nos ensina que, com essa prática, todos perdem. Perdemos pelo caminho os valores que diferenciam humanos de outros animais, além da diversidade de culturas que são o fundamento do que somos hoje.
Mesmo timidamente, chegam às bibliotecas escolares uma literatura mais diversificada, que traz princesas negras, cenários com paisagens africanas ou orientais, o que nos lembra o fato de que não somos todos loiros e intocáveis como os príncipes dos contos de fadas.
São livros que trazem às novas gerações o contato com o que é diferente da cultura na qual estão inseridas, mas nem por isso são inferiores. É um trabalho contínuo e de longo prazo, mas que lança a semente da tolerância e do respeito, pois ainda não nos conscientizamos de que fazemos parte de uma única raça: a humana.
Comentários